“Fico perplexo ao ver igrejas grandes, em favelas também grandes, sem um mísero curso de alfabetização. Pregar a palavra, sim, mas é preciso entender a importância de também salvar a vida, além da alma. Nesse sentido, ação social é fundamental”. A opinião é do pastor e psicólogo Macéias Nunes que, há 40 anos, lidera igrejas localizadas em favelas cariocas. Atualmente, ele atua na Igreja Batista do Leme, no morro do Chapéu Mangueira, na Zona Sul carioca. Numa entrevista à Agência Soma publicada originalmente pela Revista Palavra de Paz, e reproduzida a seguir na íntegra, o líder compartilha outras de suas experiências.
Há quanto tempo você trabalha em ministérios dentro de comunidades carentes?
Pr. Macéias- Há 40 anos. Vim para o Rio de Janeiro com 7 anos de idade e fui morar no Jacarezinho com minha mãe e meus oito irmãos. Residimos quinze anos lá. Mudamos depois para Maria da Graça, mas nunca deixei de estar ligado à favela. Fui seminarista no Jacarezinho, pastor no Morro dos Prazeres, em Santa Tereza, pastor de novo no Jacarezinho, onde também presidi a Associação Evangélica, trabalhei como missionário na Favela Bandeira Dois, em Del Castilho, e pastoreio há 10 anos a Igreja Batista do Leme, nas comunidades de Chapéu Mangueira e Babilônia.
Com toda essa experiência sobre favela, o que você acha importante destacar sobre o assunto?
Pr. Macéias- Para mim, favela não devia existir. Se é certo que ela é a única opção de moradia para o verdadeiro carente, que realmente não tem onde morar, é certo também que a favela é o gueto da subcidadania. O favelado não é um cidadão completo, a começar pelo fato de não possuir o registro de propriedade de sua casa. No bairro, para entrar em um domicílio qualquer, a polícia precisa de um mandado judicial. Na favela, não. Ela chega atirando, arrombando portas de bandidos e trabalhadores, agindo, enfim, como se ali todos fossem delinqüentes.
A solução, então, seria acabar com as favelas?
Pr. Macéias- Sem dúvida que sim. Em geral, certos políticos não pensam assim, por motivos eleitorais. O favelado é um bom cliente dos favores eventuais deste ou daquele candidato e, nesse sentido, um voto garantido. Do ponto de vista operacional, não é fácil remover favelas. Era preciso começar com as menores, em especial as que estão à beira de rios. Também não adianta criar imensos núcleos habitacionais com ex-favelados. Daqui a pouco, aquilo vira favela de novo. É preciso criar núcleos menores, com condução para os locais de trabalho e todos os serviços disponíveis para um bairro normal da cidade.
Nesse seu tempo de pastor em favelas, como tem sido a relação com o banditismo?
Pr. Macéias- Afora um ou outro episódio mais dramático, nossas relações são respeitosas. Minha tese é a seguinte: ainda que eu veja o homem ou a mulher armados em plena rua, ou mesmo vendendo drogas, para mim ele é um cidadão como qualquer outro. Não sou eu que tenho que prendê-lo. Para isso existe o poder público. Suponhamos que eu ou qualquer outro cidadão denunciemos os traficantes: eles serão presos, um advogado bem pago os soltará em pouco tempo, ou até mesmo um delegado qualquer receberá uma boa quantia para soltá-los e nós, que prestamos um bom serviço à sociedade, iremos morar no cemitério mais próximo.
Mas isso não significa ser conivente com o crime?
Pr. Macéias- Não. Primeiro porque não os apoiamos financiando seu negócio maligno. Não compramos drogas. Quem financia bandido é quem compra o que eles vendem. Em geral, as classes média e alta. Também não legitimamos seu poder paralelo. Minha orientação pastoral aos membros de nossa igreja é que jamais, em hipótese alguma, peçam favor a bandido. Se você recebe uma merrequinha qualquer de bandido para comprar um analgésico, ele se sentirá o dono do morro e também no direito de exigir que você esconda armas ou drogas em sua casa. Seu poder estará legitimado. Isso se estende a outras áreas, como resolução de conflitos familiares ou habitacionais. Além do mais, eu denuncio, em minhas pregações, o tráfico de drogas e a delinqüência em geral. Prego para eles nos becos e nas casas. Sou respeitado porque não compactuo com eles, mas os respeito como pessoas. São pecadores como quaisquer ou-tros. Aliás, sabemos que em matéria de pecado, os poderosos das altas esferas da República têm uma conta muito maior a pagar com Deus do que os delinqüentes criminais.
Mencione algumas experiências difíceis que você, como pastor, viveu em seu ministério nas favelas.
Pr. Macéias- No Jacarezinho, bandidos me ameaçaram de morte por entenderem que eu estava discriminando pessoas no programa do leite, o que não era verdade. Na Bandeira Dois, o chefe do tráfico proibiu minha entrada porque minha pregação estava atrapalhando seus negócios. Depois se arrependeu e me pediu perdão. Há vários outros episódios, mas o que mais me dói é ver garotos de 18, 20 anos, que cresceram em famílias crentes, sendo mortos em confrontos com outros bandidos ou com a polícia. Já perdi a conta. Alguns desses casos relato em meu livro “Favela Violenta”.
Nesse contexto tão complicado, qual deve ser o papel da igreja?
Pr. Macéias- Antes de tudo, pregar a palavra. O poeta Drummond dizia que lutar com a palavra é a luta mais vã, mas lutar com a Palavra de Deus é garantia de eficácia na transformação de vidas. Tenho visto muitas conversões de bandidos, pais de santo, prostitutas e, num milagre ainda maior, de pessoas bem postas na sociedade, bons cidadãos, cumpridores de seus deveres, mas que são tão pecadores – ou até mais – quanto os marginalizados da vida. Pregar a palavra, sim, mas entender que é preciso salvar a vida, além da alma. Nesse sentido, ação social é fundamental. Fico perplexo ao ver igrejas grandes, em favelas também grandes, igrejas estas sem um mísero curso de alfabetização ou coisa parecida. Pela graça de Deus, na Igreja Batista do Leme, sem contarmos com recursos financeiros, Deus tem nos ajudado a manter uma forte estrutura de ação social, com um grande número de projetos. Pessoas de outras regiões têm vindo até nós para aprender sobre o tema. Igreja de favela sem projeto de ação social é um contra-senso. Só o Cheque-Cidadão, que muitos criticaram como assistencialista, distribuímos durante sete anos. Mantemos há 11 anos uma creche comunitária. Temos curso de informática, de reciclagem e artesanato, bazar comunitário e cursos supletivos de primeiro e segundo graus. Não temos dinheiro, apenas visão. Os recursos, Deus envia. Ele é fiel. (Macéias Nunes foi entrevistado por Lenildo Medeiros)
Há quanto tempo você trabalha em ministérios dentro de comunidades carentes?
Pr. Macéias- Há 40 anos. Vim para o Rio de Janeiro com 7 anos de idade e fui morar no Jacarezinho com minha mãe e meus oito irmãos. Residimos quinze anos lá. Mudamos depois para Maria da Graça, mas nunca deixei de estar ligado à favela. Fui seminarista no Jacarezinho, pastor no Morro dos Prazeres, em Santa Tereza, pastor de novo no Jacarezinho, onde também presidi a Associação Evangélica, trabalhei como missionário na Favela Bandeira Dois, em Del Castilho, e pastoreio há 10 anos a Igreja Batista do Leme, nas comunidades de Chapéu Mangueira e Babilônia.
Com toda essa experiência sobre favela, o que você acha importante destacar sobre o assunto?
Pr. Macéias- Para mim, favela não devia existir. Se é certo que ela é a única opção de moradia para o verdadeiro carente, que realmente não tem onde morar, é certo também que a favela é o gueto da subcidadania. O favelado não é um cidadão completo, a começar pelo fato de não possuir o registro de propriedade de sua casa. No bairro, para entrar em um domicílio qualquer, a polícia precisa de um mandado judicial. Na favela, não. Ela chega atirando, arrombando portas de bandidos e trabalhadores, agindo, enfim, como se ali todos fossem delinqüentes.
A solução, então, seria acabar com as favelas?
Pr. Macéias- Sem dúvida que sim. Em geral, certos políticos não pensam assim, por motivos eleitorais. O favelado é um bom cliente dos favores eventuais deste ou daquele candidato e, nesse sentido, um voto garantido. Do ponto de vista operacional, não é fácil remover favelas. Era preciso começar com as menores, em especial as que estão à beira de rios. Também não adianta criar imensos núcleos habitacionais com ex-favelados. Daqui a pouco, aquilo vira favela de novo. É preciso criar núcleos menores, com condução para os locais de trabalho e todos os serviços disponíveis para um bairro normal da cidade.
Nesse seu tempo de pastor em favelas, como tem sido a relação com o banditismo?
Pr. Macéias- Afora um ou outro episódio mais dramático, nossas relações são respeitosas. Minha tese é a seguinte: ainda que eu veja o homem ou a mulher armados em plena rua, ou mesmo vendendo drogas, para mim ele é um cidadão como qualquer outro. Não sou eu que tenho que prendê-lo. Para isso existe o poder público. Suponhamos que eu ou qualquer outro cidadão denunciemos os traficantes: eles serão presos, um advogado bem pago os soltará em pouco tempo, ou até mesmo um delegado qualquer receberá uma boa quantia para soltá-los e nós, que prestamos um bom serviço à sociedade, iremos morar no cemitério mais próximo.
Mas isso não significa ser conivente com o crime?
Pr. Macéias- Não. Primeiro porque não os apoiamos financiando seu negócio maligno. Não compramos drogas. Quem financia bandido é quem compra o que eles vendem. Em geral, as classes média e alta. Também não legitimamos seu poder paralelo. Minha orientação pastoral aos membros de nossa igreja é que jamais, em hipótese alguma, peçam favor a bandido. Se você recebe uma merrequinha qualquer de bandido para comprar um analgésico, ele se sentirá o dono do morro e também no direito de exigir que você esconda armas ou drogas em sua casa. Seu poder estará legitimado. Isso se estende a outras áreas, como resolução de conflitos familiares ou habitacionais. Além do mais, eu denuncio, em minhas pregações, o tráfico de drogas e a delinqüência em geral. Prego para eles nos becos e nas casas. Sou respeitado porque não compactuo com eles, mas os respeito como pessoas. São pecadores como quaisquer ou-tros. Aliás, sabemos que em matéria de pecado, os poderosos das altas esferas da República têm uma conta muito maior a pagar com Deus do que os delinqüentes criminais.
Mencione algumas experiências difíceis que você, como pastor, viveu em seu ministério nas favelas.
Pr. Macéias- No Jacarezinho, bandidos me ameaçaram de morte por entenderem que eu estava discriminando pessoas no programa do leite, o que não era verdade. Na Bandeira Dois, o chefe do tráfico proibiu minha entrada porque minha pregação estava atrapalhando seus negócios. Depois se arrependeu e me pediu perdão. Há vários outros episódios, mas o que mais me dói é ver garotos de 18, 20 anos, que cresceram em famílias crentes, sendo mortos em confrontos com outros bandidos ou com a polícia. Já perdi a conta. Alguns desses casos relato em meu livro “Favela Violenta”.
Nesse contexto tão complicado, qual deve ser o papel da igreja?
Pr. Macéias- Antes de tudo, pregar a palavra. O poeta Drummond dizia que lutar com a palavra é a luta mais vã, mas lutar com a Palavra de Deus é garantia de eficácia na transformação de vidas. Tenho visto muitas conversões de bandidos, pais de santo, prostitutas e, num milagre ainda maior, de pessoas bem postas na sociedade, bons cidadãos, cumpridores de seus deveres, mas que são tão pecadores – ou até mais – quanto os marginalizados da vida. Pregar a palavra, sim, mas entender que é preciso salvar a vida, além da alma. Nesse sentido, ação social é fundamental. Fico perplexo ao ver igrejas grandes, em favelas também grandes, igrejas estas sem um mísero curso de alfabetização ou coisa parecida. Pela graça de Deus, na Igreja Batista do Leme, sem contarmos com recursos financeiros, Deus tem nos ajudado a manter uma forte estrutura de ação social, com um grande número de projetos. Pessoas de outras regiões têm vindo até nós para aprender sobre o tema. Igreja de favela sem projeto de ação social é um contra-senso. Só o Cheque-Cidadão, que muitos criticaram como assistencialista, distribuímos durante sete anos. Mantemos há 11 anos uma creche comunitária. Temos curso de informática, de reciclagem e artesanato, bazar comunitário e cursos supletivos de primeiro e segundo graus. Não temos dinheiro, apenas visão. Os recursos, Deus envia. Ele é fiel. (Macéias Nunes foi entrevistado por Lenildo Medeiros)
Fonte: www.agenciasoma.org.br
Nenhum comentário:
Postar um comentário